terça-feira, 31 de maio de 2011

Recordações do caminho...

Choviscos pela manhã, reparei que não vinha preparada para a chuva, nada de grave, deu para continuar.
Cheguei a Vilarinho tão rápido que não me apercebi de ter passado por essa terra. Tive que ajustar as alsas da mochila e começar a usar o bastão, fiquei bem mais confortável.
Vem o primeiro susto: entrei pelos caminhos mais rurais, mais embrenhados na natureza, onde não se vê ninguém e se respira uma tranquilidade indiscritivel, mas também o medo do silêncio e da solidão em demasia, que vão diminuindo ao longo do caminho. Um carro parado, meio escondido por baixo de umas árvores, com um homem dentro, fez-me acelarar o passo e pensar que meios tinha ao dispor para me defender, se fosse necessário... tinha uma tesoura pequenina! É a nossa imaginação a trabalhar, o senhor muito provavelmente estava a descansar e a dormir, eu é que fiquei logo assutada.
Logo depois sou surpreendida com uma bela paisagem de Ponte do Ave, parei para fotografar, admirar a obra criadora que se pintava diante dos meus olhos e respirar fundo, para acalmar o espírito.
Mais à frente novo susto: um carro passa por mim e para uns metros à frente, sai um rapaz, abre a mala do carro e fica à espera... resolvi parar, tirar a mochila (podia ser necessario correr) e esperar também, fingi estar falar telefone. Aproveitei para descansar sem saber bem o que fazer, se continuar parada, voltar um pouco atrás, cantei em silêncio o cântico que me acompanhou neste caminho e o senhor entrou no carro e seguiu.
Mais à frente reparei que era uma zona de prostituição... infelizmente nem tudo é silêncio e paz.
Sair das estradas principais é bom, pois o trânsito é perigoso, mas como não se vê ninguém, faz-me estar receosa. A beleza da paisagem e sentir Deus á minha volta dão-me força para continuar.
Volto a atravessar uma ponte medieval, desta vez o rio Este e mais uma vez deslumbro-me com a paisagem. Apercebo-me que estou a andar bem, e vou chegar mais cedo do que pensava.
Vou apreciando e vendo todas as pistas de monunmentos e passeios pedestres e penso: como está a ser bom este caminho!
Chego a S. Pedro de Rates, apercebo-me que faltam 200Km para Santiago... medo, nunca tinha olhado para totalidade dos km. Já me doem tanto as pernas e a cintura de levar a bolsa... fico na esperança que as dores depois passem com o hábito!
A chuva já forte faz-me entrar na Igreja românica onde desfrutei de um momento único de oração e de encontro... o pensamento viajou até Taizé, as músicas que soavam transportaram-me à calma e à paz que se vive lá e que estou agora a sentir também. Lembrei-me dos motivos que me guiaram até lá e pensei que buscava o mesmo que agora de formas diferentes.
Almocei à beira de um café que não foi fácil encontrar, era só caminho de cabras.
"O banho é o melhor do dia" disse-me um amigo, o melhor não diria, mas sabe realmente muito bem!
Muitos peregrinos estrangeiros aqui em Rates, interagi pouco, ainda estou muito desconfiada de tudo, fui ao supermercado, dei uma volta e até encontrei net num café!
O albergue é velho, mas muito giro e acolhedor. A sala onde escrevo é qualquer coisa de misteriosa, mesmo a condizer com o caminho!
Já descansei um pouco, vou tentar jantar e voltar para o descanso que é mesmo necessário.

"O caminho para Santiago é como a própria vida, é como Ele que nos dá apoio, é uma experiência maravilhosa. Não tem fim porque quando chegamos, apercebemo-nos que temos de continuar a andar, através do Apóstolo Santiago, através dos outros, através de nós próprios, através de Deus. Este desejo apenas acaba, quando a vida que amamos, dia após dia, chega ao fim"

Confiarei... ainda que o dia escureça, não há mal que me aconteça se Contigo eu estiver...